Nem dormiu aquela noite. O sono debandou sem cumprimentar e definitivamente não voltou. Vira de lado, se ajeita, fecha os olhos, ouve barulhos, liga a TV, desliga, conta carneiros, assenta. Precisa chegar logo a manhã, assim não teria mais a responsabilidade de dormir.
Na rodoviária imunda o ônibus que não chega e a ansiedade da noite é ainda maior. Os segundos são minutos.
Abre a porta do ônibus e está ali um estranho tão íntimo e familiar. Chega perto, nenhum dos dois sabe o que fazer, o que falar. Se percebe apenas o desvio do olhar de cada um. Esperaram tanto tempo, e agora, o que fazer?
- E aí, que quer fazer? Onde vamos?
-Onde o vento levar.
Beberam goles e goles, beberam olhares, beberam jeitos e trejeitos, beberam palavras, muitas palavras e, por fim, embebedaram as suas bocas com salivas. Outro cenário, calor, suor, fome, rubor, pele, unhas, cabelos, brincos, cores, pudores, mãos, pernas entrelaçadas, bocas e salivas.
Calma, sossego, tudo quieto.
E o mesmo ônibus que o trouxe pra ela, o levou de volta.
Continuou sem dormir. A ansiedade de uma noite virou a saudade de outras.
(2)
Bar lotado. Sombra verde e batom vermelho-sangue destacam-se num rosto moreno. Os peitos quase saltavam para fora da pequena blusa verde dois números menor , o chamarisco para o sexo oposto. Toda aquela produção mereceria um ou mais troféus.
Objetivo: curtir a noite. Seria, se não pudéssemos observar de longe uma carência imperativa. Blusa verde e duas amigas sentadas à mesa, a primeira num pequeno vestido azul de feira de bairro belorizontino . A segunda, uma loira de postura arqueada que tentava esconder a baixa autoestima, os segredos e as intempéries da vida.
A moça de verde não se contentou em ver uma roda de homens na mesa à frente. Foi à caça. Levantou uma vez e passou por eles, sem sucesso. Voltou, empinou a bunda e nada! Eles, mais preocupados cosigo mesmos e com o campeonato de futebol que passava na TV não a viram passar. Mulher provocativa. Senta, levanta, passa por eles. Nada! Resolve levantar mais um vez, mas dessa não podia errar o tiro. Foi até a mesa dos homens e, de súbito, um se levanta e vai à mesa das mulheres. Os amigos o deixam constrangido, a de vestido azul se atrapalha com a visita inesperada e deixa o telefone cair no chão. Logo se faz uma corrente quase divina de ambos os lados de amigos para que os dois se beijem. A blusa verde atinge um dos objetivos.
Dois outros, estilo cowboy entram no bar, altos, fortes logo fuzilados pelos olhos contornados de sombra verde. Ainda tinha que arrumar para sua amiga e a si própria. Levanta, puxa a calça jeans, empina a bunda num exercício lordósico de dar inveja e volta à mesa dos homens. A fonte esgotou e só um teria sucumbido à sua atitude desesperada de fazer sua amiga feliz por aquela noite.
Blusa verde vira a sua cadeira e lembra-se que eram dois cowboys. Estava salva. Ela e sua amiga iriam colocar na estante, mais um troféu da noite de sábado.
(Ana Melo)
5 comentários:
Mas como essa moça escreve bem! Hahaha..
Também acho!
Go go Aninha!
Isso é que é ação entre amigos!
E como escreve deveria escrever
um livro.
Abrir para o mundo toda a sua cultura !
Adorei o Motel da vila ANNA!
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