segunda-feira, 12 de julho de 2010

[Assovio de cobra.]

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Adorada por conhecedores e odiada pela maioria dos abstêmios que não bebem, a cachaça se confunde com a própria história nacional cambaleante. Está na alma do nosso povo e na cabeça gorda dos governantes que forjaram esta espetacular nação de macunaímas que trocam as pernas (eu queria as da Cláudia Raia). Com ela não existe meio termo. Nem meia dose. Só meia garrafa. E todos sabem que para um bom bebedor meia garrafa basta. Basta?
Apreciada com moderação (ué, a vida não vai melhor nos excessos, senhor Blake?), é considerada um dos melhores aperitivos do mundo. Só perde para o famoso uísque Highland Scotch His Majesty Royal Gold Label Finest, do qual nunca ouvimos falar, graças a Deus. E nem precisamos: uma Lua Cheia para nós, descendentes de africanos, com um pedacinho de queijo curado para acompanhar, está bom demais. Além do mais, uísque é a bebida daqueles estranhos homens que usam saia e tocam gaita em desafinação de dar dó.
Segunda bebida alcoólica mais consumida no Brasil, a cachaça pertence à família das eau-de-vie, que traduzimos como “água da vida”. A sua fórmula química é H2O 51. É tão popular que já virou sinônimo para todas as outras bebidas conhecidas. Fôssemos um país sério, ela seria matéria obrigatória nas escolas. Não, não estamos bêbados.
Destilada à base de cana-de-açúcar, leveduras e água, a cachaça é relativamente fácil de fazer. A fabricação começa com a moagem da cana, que produz um caldo ao qual se adiciona água, resultando no mosto. Sob o efeito das leveduras (procura aí no Houaiss), o mosto entra em processo de fermentação. Depois da decantação (lembra das aulas de Química?), é feita a destilação num alambique do tipo “cebolão”.
Antes, toda a cachaça produzida no Brasil era artesanal. Praticamente toda casa de engenho produzia a sua preciosa, que adoçava os beiços de senhores e escravos, igualmente. Um exemplo de bebida democrática. Depois da Revolução Industrial, a pinga foi pro brejo e de lá nunca mais saiu. Hoje, temeridades medonhas e sem noção dominam o mercado nacional. Felizmente, ainda existem centenas de alambiques espalhados pelo Brasil, sendo que alguns dos melhores estão na região de Salinas-MG, capital mundial da branquinha. Nada contra os paulistas, cearenses, baianos e paraibanos: mas os mineiros são considerados os michelângelos do assunto. Até prova em contrário.
Perdoem-nos os alguns, mas a boa cachaça deve ser pura. Nada de colocar cravo, ervas, mel ou cascas de árvore: isso é coisa de quem não gosta de sentir o sabor da cana ou não é dado a tradições. O modo de fazer uma boa cachaça é passado de geração para geração e isso faz toda a diferença. O processo inclui uma cana de qualidade superior, colhida em sua melhor fase, fermento caseiro natural, condensação em recipientes especiais e outros toques de classe. Tudo isso deve ser considerado antes do brinde.
Como símbolo dos ideais de liberdade, a cachaça percorreu as bocas dos inconfidentes e da população que apoiou a Conjuração Mineira. A Semana de Arte Moderna, em 1922, em seu suspiro de brasilidade, não deixou a cachaça de lado, num balcão vazio. É certo: intelectual revolucionário ou qualquer brasileiro que se preze não chega perto de outra bebida. Cognac, monsieur?
Hoje, universidades tentam criar uma cachaça sem as contra-indicações do bafo e da ressaca, tudo para concorrer no mercado mundial. Ao que parece, querem desinventá-la. Cura para ressaca? Já ouvi essa história!
“Eu bebi demais/eu fiquei mamado/eu caí no chão/e fiquei deitado/nas mãos de um soldado eu fui carregado”. Talvez não seja possível enumerar o número de canções em que a “mardita” aparece, mas quanto aos seus sinônimos, podemos tentar. É tanto nome que é bem capaz de você ficar tonto. Da próxima vez, peça uma abre-bondade. Não gostou? Então escolha entre abre-coração, abrideira, abridora, aca, ácido, aço, acuicui, a-do-ó, água, água-benta, água-bórica, água-branca, água-bruta, água-de-briga, água-de-cana, água-de-setembro, água-lisa, água-pé, água-pra-tudo, água-que-gato-não-bebe, água-que-passarinho-não-bebe, aguardente, agundu, alicate, alpista, alpiste, amarelinha, amorosa, angico, aninha, apaga-tristeza, a-que-incha, aquela-que-matou-o-guarda, aquiqui, arapari, ardosa, ardose, ariranha, arrebenta-peito, assina-ponto, assovio-de-cobra, azougue, azulada, azuladinha, azulina, azulzinha, bafo-de-tigre, baga, bagaceira, baronesa, bataclã, bicarbonato-de-soda, bicha, bichinha, bicho, bico, birinaite, birinata, birita, birrada, bitruca, boa, boa-pra-tudo, bom-pra-tudo... e olha que ainda nem terminamos a letra B! Saúde.
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2 comentários:

Lutto T. Nebroso disse...

Eu nem acredito que ajudei a escrever isso.

Anônimo disse...

estavamos bêbados!!!!!!!!
KKKKKKKKKKKKKKKKKKK
abraços

Moabba