quarta-feira, 1 de outubro de 2008

[O Animal Agonizante]

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(Trecho do livro de Philip Roth)

Eu a conheci há oito anos. Era minha aluna. Não sou mais professor em horário integral, não sou mais professor de literatura no sentido estrito - há anos que só dou o mesmo curso, para uma turma grande de alunos do último período, sobre crítica, chamado Crítica Prática. Muitos dos alunos são do sexo feminino. Por dois motivos: porque é um tema com uma combinação atraente de glamour intelectual e glamour jornalístico, e porque elas me conhecem de me ouvirem fazendo resenhas de livros na rádio educativa, ou então de me verem no canal 13 falando sobre cultura. Nos últimos quinze anos, minha atuação como crítico de cultura televisivo fez com que eu me tornasse uma figura razoavelmente conhecida na cidade, e é isso que atrai as garotas para o meu curso. No início, eu não me dava conta de que aparecer na televisão por dez minutos uma vez por semana podia impressionar tanto aquelas alunas. Mas elas sentem uma atração irresistível pela celebridade, mesmo que seja uma celebridade pífia como a minha.

Ora, sou muito vulnerável à beleza feminina, como você sabe. Todo mundo se torna indefeso diante de alguma coisa, e no meu caso é isso. Diante de uma mulher bonita, não enxergo mais nada. Logo na primeira aula descubro quase imediatamente qual daquelas garotas é a minha. Mark Twain tem uma história em que ele foge de um touro e sobe numa árvore, e o touro olha para ele e pensa: "O senhor é a minha refeição". Pois bem, leia-se "a senhorita" em vez de "o senhor", e é isso que eu penso quando vejo as garotas na sala de aula. Já se vão oito anos - eu já estava com sessenta e dois anos, e a garota, que se chama Consuela Castillo, tinha vinte e quatro. Ela não é como as outras da turma. Nem parece uma aluna, pelo menos uma aluna comum. Não é uma pós-adolescente, não é uma dessas garotas desmazeladas, tronchas, que dizem "tipo assim" cada vez que abrem a boca. Ela fala bem, é equilibrada, tem uma postura perfeita - parece saber alguma coisa a respeito da vida adulta, além de saber se sentar, ficar em pé e andar. Assim que você entra na sala, percebe que essa garota sabe mais, ou então quer saber mais. A maneira como ela se veste. Não é exatamente o que se chama de chique, ela com certeza não se veste de modo exagerado, mas, para começar, nunca usa jeans, nem passado nem amassado. Usa umas roupas escolhidas a dedo, com um bom gosto discreto, saias, vestidos e calças feitas sob medida. Não para se tornar menos sensual, e sim, ao que parece, para se profissionalizar - ela se veste como uma secretária bonita de uma firma de advocacia de prestígio. Como se fosse a secretária do presidente de um banco. Usa uma blusa de seda creme por baixo de um blazer azul feito sob medida, com botões dourados, uma bolsinha marrom com aquela pátina de couro caro, botinhas que chegam até o tornozelo e combinam com a bolsa, e uma saia de tricô cinza, um tecido ligeiramente elástico, que revela as linhas de seu corpo com aquela sutileza de que só mesmo uma saia assim seria capaz. O penteado é natural, porém bem cuidado. A tez é clara, a boca é curva, embora os lábios sejam cheios, e a testa é arredondada, uma testa polida, lisa, com uma elegância de Brancusi. Ela é cubana. Filha de uma próspera família cubana que mora em Nova Jersey, do outro lado do rio, no condado de Bergen. O cabelo é negro, bem negro, lustroso, um pouco grosso. E ela é grande. Um mulherão grande. A blusa de seda está desabotoada até o terceiro botão, de modo que dá para ver que ela tem seios poderosos, lindos. Imediatamente você vê a fenda entre eles. E você vê que ela sabe. Você percebe que, apesar do decoro, da meticulosidade, do estilo cuidadosamente refinado - ou por causa disso tudo -, ela tem consciência de si própria. Ela vem à primeira aula com uma jaqueta abotoada por cima da blusa, porém cinco minutos depois do início da aula não está mais de jaqueta. Quando volto a olhar para ela, já vestiu a jaqueta outra vez. De modo que você compreende que a moça tem consciência de seu poder, mas não sabe direito como usá-lo, o que fazer com ele, não sabe nem mesmo até que ponto quer ter todo esse poder. O corpo ainda é novo para ela, a moça ainda o está experimentando, tentando compreendê-lo, é um pouco como um menino que anda na rua com uma arma carregada, sem saber se está armado para se proteger ou se para dar início a uma carreira no crime.

E essa moça também tem consciência de outra coisa, algo que eu não poderia ter percebido logo na primeira aula: considera a cultura importante, tem por ela uma reverência um tanto antiquada. Não que tenha alguma intenção de dedicar sua vida à cultura. Isso ela não quer e nem poderia fazer - teve uma educação tradicional demais para isso -, porém acha a cultura a coisa mais importante e maravilhosa que conhece. É o tipo de pessoa que sente fascínio pelos impressionistas, porém é obrigada a ficar muito tempo olhando com atenção - e sempre com uma incômoda sensação de perplexidade - para um Picasso da fase cubista, esforçando-se ao máximo para compreendê-lo. Assim, fica olhando, aguardando uma nova sensação surpreendente, um pensamento novo, uma emoção nova, e quando nada disso acontece ela se recrimina por sua incompetência e por lhe faltar... o quê? Ela se recrimina por nem sequer saber o que é que lhe falta. A arte mais moderna a deixa não apenas perplexa, como também decepcionada consigo mesma. Ela gostaria muito que Picasso fosse mais importante para ela, talvez até a transformasse, porém há uma espécie de cortina translúcida que a separa do proscênio da genialidade, toldando sua visão e obrigando-a a adorar a certa distância. Consuela dá à arte, a toda a arte, muito mais do que recebe em troca, uma espécie de seriedade que chega a ser tocante. Um coração bom, um rosto lindo, um olhar ao mesmo tempo convidativo e distanciado, peitos sensacionais, uma mulher ainda recém-saída do ovo, tanto assim que não causaria espanto encontrar fragmentos de casca colados naquela testa ovóide. Vi de imediato que aquela garota seria minha.

Bom, tenho uma regra há uns quinze anos que jamais violo. Nunca me aproximo das alunas em caráter particular enquanto elas não fazem o exame final e recebem a nota, quando então para elas já não estou mais oficialmente in loco parentis. Por maior que seja a tentação - e mesmo que eu receba um sinal inconfundível para começar a flertar e dar o primeiro passo -, jamais violei essa regra desde que, em meados dos anos 80, o número do disque-assédio foi pela primeira vez afixado à porta da minha sala. Não entro em contato com elas para não cair nas mãos daquelas pessoas na universidade que, se pudessem, dariam um jeito de criar sérios obstáculos ao meu prazer de viver.

Todos os anos dou um curso de catorze semanas, e durante todo esse tempo não tenho caso com nenhuma aluna. Então aplico um truque. É um truque honesto, às claras, lícito, mas é um truque assim mesmo. Terminado o exame final, lançadas as notas, dou uma festa no meu apartamento para os alunos. A festa é sempre um sucesso, e é sempre a mesma coisa. Convido os alunos para beber alguma coisa na minha casa por volta das seis da tarde. Explico que a festa vai das seis às oito, e eles sempre acabam ficando até as duas da manhã. As alunas mais corajosas, a partir das dez da noite, se transformam em personagens muito interessantes e me falam sobre o que realmente lhes interessa. No curso de Crítica Prática, costuma haver cerca de vinte alunos, por vezes até vinte e cinco, de modo que ao todo são quinze, dezesseis garotas e cinco ou seis rapazes, dos quais dois ou três são heterossexuais. Às dez da noite, metade desse grupo já foi embora. Normalmente, ficam um rapaz hétero, talvez um rapaz gay e cerca de nove garotas. As que ficam são sempre as mais cultas, mais inteligentes e animadas da turma. Elas falam sobre o que andam lendo, que músicas têm ouvido, as últimas exposições que foram ver - entusiasmos a respeito dos quais não costumam conversar com pessoas mais velhas, e às vezes nem mesmo com as amigas. Elas se conhecem na minha turma. E me conhecem também. No decorrer da festa, de repente se dão conta de que sou um ser humano. Não sou o professor, não sou a minha reputação, não sou o pai delas. Moro num apartamento duplex agradável e bem-arrumado; elas vêem minha extensa biblioteca, estantes com prateleiras dos dois lados, onde estão guardados os livros que li ao longo de toda a minha vida, que ocupam quase todo o andar de baixo; vêem o meu piano, vêem como sou dedicado ao meu trabalho, e vão ficando.

Houve um ano em que minha aluna mais engraçada era como aquela cabra que vai se esconder dentro do relógio, no conto de fadas. Expulsei os últimos alunos às duas da manhã, e enquanto me despedia deles dei pela falta de uma das garotas. Perguntei: "Cadê a palhaça da turma, a filha de Próspero?". "Ah, acho que a Miranda já foi", alguém respondeu. Voltei para dentro do apartamento e comecei a arrumar a sala quando ouvi uma porta se fechando no andar de cima. A porta do banheiro. E Miranda desceu a escada, rindo, radiante, numa felicidade besta - eu nunca havia reparado, até aquele momento, que ela era tão bonita -, e disse: "Eu fui muito esperta, não fui? Me escondi no banheiro do segundo andar, e agora vou dormir com você".

Uma coisinha de nada, menos de um metro e sessenta, e foi tirando o suéter, me mostrando os peitos, revelando o torso adolescente de uma virgem de Balthus transgredindo pela primeira vez, e é claro que acabamos na cama. Como uma menina que fugisse do melodrama ameaçador de um quadro de Balthus para participar da festa da turma, Miranda havia passado a noite andando de gatinhas no chão, com o traseiro para cima, ou esparramada no sofá, indefesa, ou então encarapitada no braço de uma bergère, aparentemente sem perceber que, com a saia subindo as coxas e as pernas abertas de modo nada decoroso, estava com aquele exato ar de uma personagem de Balthus, parecendo estar seminua embora estivesse vestida. Tudo está escondido e nada está oculto. Muitas daquelas meninas já tinham vida sexual desde os catorze anos, e ao chegar aos vinte sempre há uma ou duas que, movidas pela curiosidade, resolvem transar com um homem da minha idade, mesmo que seja só uma vez, doidas para no dia seguinte contar tudo às amigas, que vão franzir a testa e perguntar: "Mas e a pele dele? Ele não tinha um cheiro esquisito? E aquele cabelo branco comprido? E aquela papada? E a barriga dele? Você não ficou com nojo?".

Miranda me disse depois: "Você já deve ter transado com centenas de mulheres. Eu queria saber como era". "E como foi?" Então ela disse coisas em que não acreditei de todo, mas não tinha importância. Ela fora audaz - havia se dado conta de que era capaz de fazer aquilo, por mais decidida e apavorada que se sentisse escondida no banheiro. Ela descobrira o quanto era corajosa ao se ver diante daquela justaposição insólita, descobrira que era capaz de vencer seus medos iniciais, bem como qualquer sentimento de repulsa que tivesse experimentado de início, e eu - com relação à tal justaposição - simplesmente me esbaldei. Miranda, aquela menina que se esparramava, que aprontava palhaçadas, fazendo pose, a roupa de baixo espalhada pelo chão. Só o prazer de olhar já bastava. Se bem que ela me deu muito mais do que isso. As décadas que se passaram desde os anos 60 complementaram muito bem a revolução sexual. As meninas dessa geração são sensacionais em matéria de felação. Nunca houve nada semelhante a essas garotas, na classe social delas.

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