domingo, 1 de março de 2009

[Para o meu filho. Para mim.]

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Uma das melhors coisas de ter um filho é, para mim, poder lembrar do tempo em que fui criança. E sentir emoções como se portasse o mesmo coração de então. Isso é possível, todos os dias, não por desejo ou capricho meus, mas por insistência do pequeno João Pedro. Explico melhor: antes de dormir ele me pede para contar histórias, como toda criança. "Conta as de verdade, pai." Sim, ele prefere as que vivi e me obriga a vasculhar uma memória de dezenas de anos. A inevitável nostalgia, no mesmo instante em que me entristece, me devolve o que sou. É bem comum sentir um nó na garganta e pensar, já com ele dormindo, que ter sido criança, no final dos anos 70, mesmo com todos os pesares, foi algo simplesmente magnífico, em comparação com esses novos e estranhos tempos. Gosto de pensar que, por alguns minutos diários, que não me custam nada, eu consigo tornar o mundo do meu filho mais interessante e bonito. Mesmo que as histórias, aparentemente, sejam tolas, como esta do King Kong, que compartilho agora com vocês, crianças.

Num final de tarde, eu e minha mãe fomos a uma loja de tecidos (nossas roupas eram feitas por costureiras). Ela não tinha com quem me deixar em casa e seguimos os dois por uma distância de um quilômetro mais ou menos. Para mim, não era um passeio, mas um dever. Era preciso acompanhá-la porque eu era o único filho homem. Fiquei aborrecido num canto enquanto ela escolhia as peças. Tive, ainda, o azar de encontrar uma vizinha que me achava tímido demais e passou a aconselhá-la a respeito do grave defeito. Na volta para casa, uma supresa mudou a minha vida para sempre. Do nada, brotada do chão, uma Kombi verde-escuro anunciou algo sobre o filme do King Kong, um remake daquele antigo, que depois teve outra versão. Isso era 1979, eu acho. Eu não ia ao cinema, nós não tínhamos esse luxo, por isso permaneci onde estava. Mas não era nada sobre o filme. Aquele carro redondo com alto-falante e portas abertas, saído dos meus sonhos, depois eu percebi, estava distribuindo álbuns de figurinha do famoso gorila! Eles eram jogados, junto com algumas estampas, para as crianças que estavam na comercial e para as muitas outras que se aproximavam como enxames, como nas festas de Cosme e Damião (ainda existem?). A cena poderia abrir um filme indiano, se é que vocês me entendem. No meio da correria, eu, antes gravemente tímido, agora gritava para a minha mãe: "corre, me ajuda a pegar o que puder!" E por que eles faziam isso? Acho que não preciso explicar. A comparação pode parecer insensível agora, mas é uma lógica presente até no tráfico. Mas esqueçamos por um instante essas armadilhas. Naquele dia, a Jessica Lange e o monstruoso gorila me fizeram acreditar em milagres. E durante todo o tempo em que acreditei neles, nos milagres, eu fui mais feliz. Hoje, o meu filho sabe disso.

8 comentários:

Anônimo disse...

Que bonito!

Anônimo disse...

Eu gosto quando você escreve, sabia?

Anônimo disse...

É amigo, também tenho essa extraordinária e felicíssima missão de contar histórias aos meus pequenos. Filhos são para sempre e fazemos cada coisa para suas felicidades. Mas é gratificante sempre o final (o sorriso), basta. Bom texto, parabéns!
Moabba

Laninha disse...

"Filhos...Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?"

Era o q pensava a inocente criatura aki, antes de ter o meu. Era do tipo q acreditava q "comigo não, estou imune a isso". Q engano! Foi só olhar akela carinha de joelho enrugada q amoleci na hora.
Passei da fase de contar-lhe histórias, já q aos 14 anos, pais e mães são velhos e chatos. Lembro o q pensava sobre a minha, coitada. Olho com complacência e paciência os arroubos de independência, a arrogância natural de quem acha q tem o mundo a seus pés. E, ao mesmo tempo, me comovo com a necessidade de carinho e compreensão q ele demonstra, mascarada com a prepotência comum dessa fase.
É a relação( mãe e filho) mais estranha, forte e permanente q ja experimentei na vida.

Mto bonito seu texto, Mr. J. P. Aliás, seu filho tb. Lindo menino.

Lutto T. Nebroso disse...

Acho que vou parar de colocar mulher nua aqui. Os melodramas pessoais e ridículos funcionam melhor, pelo visto. Faço um esforço incrível para ser rude, que é a minha natureza original, mas, como o destino, vocês vêm e me pregam essa enorme peça. Brincadeiras à parte, agradeço os comentários, tão sinceros. Fazem toda a diferença para mim.

Anônimo disse...

Natureza rude? Você? Ah, conta outra, vai.

Anônimo disse...

Lindíssimo! Não há nada de rídiculo na história. Solte mais dessa coisas!

Anônimo disse...

Lindissimo texto,estou encantada,escreva mais irei ler com o maior prazer meu caro...
Bjos de sua mais nova fá..[rs]