domingo, 8 de março de 2009

[Reserva de Chuvas]

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Na escola, zombaram de minha pronúncia torta,
ameaçaram-me com canivetes no recreio.
Assisti a covardia crescer, aquietado no fundo da sala.
Durante anos, contive o veludo áspero da pata,
a soleira da pata, a vogal da pata.
Preparei a vingança pelas palavras.

Roubei o dízimo, enrolei o papel seda
dos versículos para fumar tuas promessas.
Pisei em teu rosto com a luz suja de um livro.
A neblina me perseguiu enfurecida
e não viu que estava nela.

Peço desculpas como uma criança,
as mãos algemadas
na inocência nociva.

Como enganar os gestos?
Minha vontade de abraçar
esgana.

Todos meus erros descendem do excesso,
não da penúria.

Deus, será que tua água vem da sede do homem?
Será que nossa sede é potável?

As diferenças nos assemelham,
o único vizinho do mar é o abismo.
Estou extremamente perto
e morro distante.
Mora numa morte emprestada.

Cerca-me da cegueira,
tal relâmpago que acende o bosque
para as aves pousarem nele.

Cerca-me da cegueira,
desapegando do que não vi.

Cerca-me da cegueira,
a fidelidade do vento é testada no naufrágio.

Cerca-me da cegueira,
como uma fruta apanhada com os dentes.

Cega-me.

Meu desespero fracassou
ao passar a noite em claro.
Fez amizade com as sombras.

O autor:

Fabrício (Carpi Nejar) Carpinejar nasceu em Caxias do Sul – RS, em 23 de outubro de 1972, filho do poeta Carlos Nejar. É mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Fonte:

http://www.releituras.com/

2 comentários:

Anônimo disse...

As diferenças nos assemelham,
o único vizinho do mar é o abismo.

Isso é bem bonito.

Lutto T. Nebroso disse...

Gosto desse trecho também: "Todos meus erros descndem do excesso, não da penúria."