quarta-feira, 13 de agosto de 2008

[Os Rubaiyat]

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"Bebe e desfruta o instante fugidio que é a tua vida."
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(Omar Khayyam)

Primeiros 50 versos de "Os Rubaiyat"
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1 Nunca murmurei uma prece, nem escondi os meus pecados. Ignoro se existe uma Justiça, ou Misericórdia; mas não desespero: sou um homem sincero.

2 O que vale mais? Meditar numa taverna, ou prosternado na mesquita implorar o Céu? Não sei se temos um Senhor, nem que destino me reservou.

3 Olha com indulgência aqueles que se embriagam; os teus defeitos não são menores. Se queres paz e serenidade, lembra-te da dor de tantos outros, e te julgarás feliz.

4 Que o teu saber não humilhe o teu próximo. Cuidado, não deixes que a ira te domine. Se esperas a paz, sorri ao destino que te fere; não firas ninguém.

5 Busca a felicidade agora, não sabes de amanhã. Apanha um grande copo cheio de vinho, senta-te ao luar, e pensa: Talvez amanhã a lua me procure em vão.

6 Não procures muitos amigos, nem busques prolongar a simpatia que alguém te inspirou; antes de apertares a mão que te estendem, considera se um dia ela não se erguerá contra ti.

7 Alcorão, o livro supremo, pode ser lido às vezes, mas ninguém se deleita sempre em suas páginas. No copo de vinho está gravado um texto de adorável sabedoria que a boca lê, a cada vez com mais delícia.

8 Há muito tempo, esta ânfora foi um amante, como eu: sofria com a indiferença de uma mulher; a asa curva no gargalo é o braço que enlaçava os ombros lisos da bem amada.

9 Que pobre o coração que não sabe amar e não conhece o delírio da paixão. Se não amas, que sol pode te aquecer, ou que lua te consolar?
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10 Hoje os meus anos reflorescem. Quero o vinho que me dá calor. Dizes que é amargo? Vinho!Que seja amargo, como a vida.

11 É inútil a tua aflição; nada podes sobre o teu destino. Se és prudente, toma o que tens à mão. Amanhã... que sabes do amanhã?

12 Além da Terra, pelo Infinito, procurei, em vão, o Céu e o Inferno. Depois uma voz me disse: Céu e Inferno estão em ti.

13 Não vamos falar agora, dá-me vinho. Nesta noite a tua boca é a mais linda rosa, e me basta. Dá-me vinho, e que seja vermelho como os teus lábios; o meu remorso será leve como os teus cabelos.

14 Tenho igual desprezo por libertinos ou devotos. Quem irá dizer se terão o Céu ou o Inferno?Conheces alguém que visitou esses lugares? E ainda queres encher o mar com pedras?

15 Na sombra azulada do jardim o ar da primavera renova as rosas e ilumina os meigos olhos da minha amada. Ontem, amanhã... é tão grande o prazer agora.

16 Bebo, mas não sei quem te fez, ó grande ânfora; podes conter três medidas de vinho, mas um dia a Morte te quebrará. Numa outra hora perguntarei como foste criada, se foste feliz, ou por que serás pó.

17 Como o rio, ou como o vento, vão passando os dias. Há dois dias que me são indiferentes: O que foi ontem, o que virá amanhã.

18 Não me lembro do dia em que nasci; não sei em que dia morrerei. Vem, minha doce amiga, vamos beber desta taça e esquecer a nossa incurável ignorância.

19 Khayyam, enquanto erguias a tenda da Sabedoria, caíste na fogueira da dor; agora és cinzas. O Anjo Azrail cortou as cordas da tua tenda e a Morte vendeu-a por uma ninharia.

20 É inútil te afligires por teres pecado; também é inútil a tua contrição: além da morte estará o Nada, ou a Misericórdia.

21 Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam, com medo do inferno; mas se realmente soubessem dos segredos de Deus, não iam plantar as mesquinhas sementes do medo e da súplica.

22 Na estação das rosas procuro um campo florido e sento-me à sombra com uma linda mulher; não cuido da minha salvação: tomo o vinho que ela me oferece; senão, o que valeria eu?
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23 O vasto mundo: um grão de areia no espaço. A ciência dos homens: palavras. Os povos, os animais, as flores dos sete climas: sombras. O profundo resultado da tua meditação: nada.

24 Eu estava com sono e a Sabedoria me disse: A rosa da felicidade não se abre para quem dorme; por que te entregares a esse irmão da morte? Bebe vinho; tens tantos séculos para dormir.
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25 Admito que já resolveste o enigma da Criação; e o teu destino? Aceito que desvendaste a Verdade; e o teu destino? Está bem, viveste cem anos felizes e ainda tens muitos para viver; e o teu destino?

26 Ninguém desvendará o Mistério. Nunca saberemos o que se oculta por trás das aparências. As nossas moradas são provisórias, menos aquela última. Não vamos falar, toma o teu vinho.

27 Olha, um dia a alma deixará o teu corpo e ficarás por trás do véu, entre o Universo e o desconhecido. Enquanto não chega a hora, procura ser feliz. Para onde irás depois?

28 Os sábios mais ilustres caminharam nas trevas da ignorância, e eram os luminares do seu tempo. O que fizeram? Balbuciaram algumas frases confusas, e depois adormeceram, cansados.

29 A vida é um jogo monótono que dá dois prêmios: A Dor e a Morte. Feliz a criança que expirou ao nascer; mais feliz quem não veio ao mundo.

30 Na feira que atravessas não procures amigosou abrigo seguro. Aceita a dor que não tem remédio e sorri ao infortúnio; não esperes que te sorriam: Seria tempo perdido.

31 O mundo gira, distraído dos cálculos dos sábios. Renuncia à vaidade de contar os astros e lembra-te: vais morrer, não sonharás mais, e os vermes da terra cuidarão do teu cadáver.

32 Aquele que criou o Universo e as estrelas exagerou quando inventou a dor. Lábios vermelhos como rubis, cabelos perfumados, quantos sois no mundo?

33 Velho mundo sob o passo do cavalo branco e negro dos dias e das noites, és o palácio triste onde mil Djenchids sonharam com a glória e mil Bahrams com o amor, e a cada manhã acordavam chorando.

34 Sono sobre a terra, sono debaixo da terra. Sobre a terra, sob a terra: homens deitados. Nada em toda a parte. Deserto. Homens chegam, outros partem.
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35 Enquanto o rouxinol lhe entoava um hino, murchou a bela rosa por causa do vento sul. Lamentaremos por ela ou por nós? Quando morrermos, outra rosa desabrochará.
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36 Se não tiveste a recompensa que merecias, não te importes, não esperes nada; já estava tudo nas páginas daquele livro que o vento da eternidade vai virando ao acaso.

37 Quando me falam das delícias que na outra vidaos eleitos irão gozar, respondo: Confio no vinho, não em promessas; o som dos tambores só é belo ao longe.

38 Bebe vinho, ele te devolverá a mocidade, a divina estação das rosas, da vida eterna, dos amigos sinceros. Bebe, e desfruta o instante fugidio que é a tua vida.
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39 Bebe o teu vinho. Vais dormir muito tempo debaixo da terra, sem amigos, sem mulheres. Confio-te um grande segredo: As tulipas murchas não reflorescem mais.

40 Baixinho a argila dizia ao oleiro que a torneava: Já fui como tu, não te esqueças,não me maltrates.

41 Oleiro, vai com cuidado, trata bem a argila com que Adão foi conformado. Vejo no torno que moves a mão de Feridun,o coração de Khosru... o que fizeste?
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42 A tulipa rubra nasce no campo que foi regado pelo sangue de um altivo rei. A violeta brota do sinal de beleza que palpitavana face de uma doce adolescente.

43 Há tanto tempo giram os astros no espaço; há tanto tempo se revezam os dias e as noites. Anda de leve na terra, talvez aonde vais pisar ainda estejam os olhos meigos de um adolescente.
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44 As raízes do narciso que se inclina suave, bebem a vida nos lábios mortos de uma mulher. Pisa leve a relva macia, ela nasce das cinzasde rostos tão belos quanto as tulipas.

45 O oleiro ia modelando as alças e os contornos de uma ânfora. O barro que ele conformava era feito de crânios de sultões e mãos de mendigos.

46 O bem e o mal se entrelaçam no mundo. Não agradeças ao Céu pela sorte que te coube, nem o acuses: Ele é indiferente.

47 Se em teu coração cultivaste a rosa do amor, quer tenhas procurado ouvir a voz de Deus, ou esgotado a taça do prazer, a tua vida não foi em vão.

48 Vai com prudência, viajante. A estrada é perigosa, a adaga do destino é acerada. Não colhas as amêndoas doces, são venenosas.

49 Um jardim florido, uma bela mulher, e vinho. Eis o meu prazer e a minha amargura, o meu paraíso e o meu inferno. Mas quem sabe o que é Céu e o que é Inferno?

50 Com a tua face como a rosa, com o teu rosto belo, como o de um ídolo chinês, não sabes o que o teu olhar faz do rei da Babilônia? Um bispo do xadrez, que foge da rainha.
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Sobre o autor

Omar Ibn Ibrahim El Khayyam nasceu em Nichapur, na Pérsia, em 1040 e morreu nessa mesma cidade em 1120. Khayyam significa, em persa, fabricante de tendas; ele adotou esse nome em memória do pai que era fabricante de tendas. Além de poeta Omar Khayyam foi matemático e astrônomo. Dos seus livros de ciência chegaram até nós o Tratado de Algumas Dificuldades das Definições de Euclides e as Demonstrações dos problemas de Álgebra. Em 1074, diretor do Observatório de Merv, fez a reforma do calendário muçulmano. Rubaiyat é o plural da palavra persa rubai, e quer dizer quadras, quartetos. No rubai, o primeiro, o segundo e o quarto versos são rimados, o terceiro é branco. Nesta “tradução”, não mantivemos a rima, nem a métrica “originais”.

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