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Disco revolucionário na época em que foi lançado, Pet Sounds passou pela prova dos anos
Um teste básico para se avaliar uma obra de arte é sua resistência ao tempo. Por esta avaliação, o disco Pet sounds, dos Beach Boys, lançado há 40 anos, passou no teste. Como aconteceu a outras obras de arte, o tempo até lhe fez mais justiça. Quando chegou às lojas em 1966, Pet sounds foi recebido com estranheza pelos fãs, acostumados com as canções do grupo, que tinham como temática um eterno e metafórico verão californiano, com muito sol, carrões, ondas, e garotas. O repertório de Pet sounds girava em torno de questões existenciais, com arranjos sofisticados, não apenas para a época, como para a música pop em geral.A idéia de fazer um disco revolucionário surgiu quando Brian Wilson (produtor e mentor intelectual da empreitada) escutou o álbum Rubber soul dos Beatles, saído em 1965: “Foi, definitivamente, um desafio para mim. Saquei que cada faixa era artisticamente interessante e estimulante. Imediatamente comecei a trabalhar nas canções de Pet sounds”, escreveu ele no encarte do primeiro lançamento de sua obra-prima em CD. Para melhor concebê-la, Brian Wilson antes de mais nada, produziu o disco de hits que a Capitol exigia da banda, The Beach Boys party, gravado às pressas, como se o grupo tivesse tocando numa festa.Em seguida, parou de excursionar, convidou o amigo Tony Asher para escrever as letras e enfurnou-se no estúdio o dia inteiro: “Fiz de cada base instrumental uma experiência sonora particular. Fiquei obcecado para explicar musicalmente como eu me sentia interiormente”, explicou Wilson no citado texto.Bases prontas, passou a mostrar as canções aos integrantes do grupo (seus dois irmãos Denny e Carl, o primo Mike Love e Al Jardine). Ele supervisionou pessoalmente cada detalhe da gravação, faixa por faixa, como um pintor construindo uma tela, camada por camada. As bases gravadas em três ou quatro canais, depois mixadas numa máquina de oito canais (um espanto, tantos canais em 1966). Nas 13 faixas do disco foram empregados tanto recursos tecnológicos quanto a criatividade pura e simples. Wouldn’t it be nice, a faixa de abertura, tem Dennis Wilson cantando com as mãos em concha, na seguinte, You still believe in me, para se conseguir o som diferente do piano na introdução alguém ficava por baixo do instrumento puxando as cordas com os dedos, enquanto Brian Wilson tocava no teclado. Foram usados todos os instrumentos disponíveis no estúdio, de um teremim (pela primeira vez empregado na música pop), em I just wasn’t made for these times, a acordeão, em God only knows.O teremim (um anos depois usado pelos Mutantes) seria aplicado intensivamente em Good vibrations, a mais demorada faixa gravada nas sessões de Pet sounds, que levou seis meses para ser finalizada, embora não tenha entrado no disco. Good vibrations saiu num compacto e foi mais bem-sucedida do que qualquer outra de Pet sounds, que, nos EUA, só chegou a um décimo lugar no paradão da Billboard. Na Inglaterra o disco teve melhor sorte, chegou a um segundo lugar nas paradas, tornou os Beach Boys estrelas em pleno apogeu do pop britânico dos anos 60, e levou Paul McCartney a confessar que considerava God only knows a mais bela canção pop já composta.Este disco mudou totalmente o conceito das paradas de sucesso, programações de FMs e a cabeça dos poucos que o entenderam. McCartney foi um desses. Espelhando-se no Pet sounds que ele concebeu o Sgt. Pepper’s lonely heart club band, tido como o mais perfeito álbum pop de todos os tempos. Brian Wilson, então com 23 anos, novamente tentou suplantar os Beatles, produzindo um disco ainda mais complexo do que Pet Sounds, que seria intitulado Smile. No processo, ele se perdeu num emaranhado de sons e drogas. Smile somente seria lançado oficialmente em 2004, 27 anos depois de iniciado. Pet sounds, quatro décadas depois não perdeu o frescor, a beleza, uma egotrip que se revelou um dos raros trabalhos de “auteur” duradouro do pop dos anos 60.Um ano seminal para a música popPet sounds não foi o único marco pop de 1966, um ano crucial para as mudanças que fizeram dos sixties uma década revolucionáriaO badalado 1968 pode ser considerado o final de um período iniciado em 1966 e que teve seu auge em 1967, com o chamado Summer of love. A partir de Pet sounds, mudou o conceito de música pop como simples entretenimento, narrando situações amorosas fantasiosas ou lúdicas. Agora, os artistas expressavam seus próprios sentimentos ou de sua geração. E a nova geração era a da frase cunhada por Timothy Leary: “Turn on, tune in e drop out” (grosso modo, “Ligue-se, antene-se e salte fora”). Uma geração que necessitava de outra trilha sonora. Antenados, os músicos criaram esta trilha, com uma série de álbuns seminais, lançados em 1966. Os Beatles voltaram à carga com o que é considerado por muita gente seu disco mais bem-resolvido, Revolver. Bob Dylan deixara para trás o banquinho e o violão e plugara-se desde 1965, mas foi em 1966 que sedimentou seu som com o viajado álbum duplo, Blonde on blonde. Frank Zappa com Freak out implantou a anarquia no rock and roll. Com Aftermath, os Rolling Stones deixavam de copiar os mestres de blues e rhythm and blues. Este foi o primeiro disco autoral de Mick Jagger & Keith Richards, que assinam todas as 14 canções do álbum. O Cream estreou com Fresh cream, uma inovadora mistura de rock pesado, jazz e pop, que a crítica de então malhou como demasiado indulgente, mas que disseminou dezenas de bandas assemelhadas nos EUA e Inglaterra, e é a base do que seria batizado de heavy metal.Em Nova Iorque e na Califórnia houve recriações da música folk, que recebeu uma boa dose de intelectualismo e psicodelismo, com a dupla Simon & Garfunkel e The Mamas and the Papas. Em janeiro de 1966, foi lançado o álbum Sounds of silence, de Paul Simon e Art Garfunkel. Sounds of silence virou folk rock, graças ao tratamento dado pelo produtor Tom Wilson. Gravada na Inglaterra um ano antes, mais lenta e com acompanhamento acústico, a canção de Paul Simon teve o andamento acelerado com a bela melodia revestida de guitarras elétricas, tornando-a um clássico instantâneo. Em Nova Iorque, batalhando no circuito folk, John Phillips, um músico da Califórnia, entrou numa igreja com a mulher Michelle para se livrar do pesado frio que fazia no final de 1965. Veio dali a inspiração para compor California dreaming, um dos maiores hits de 1966.O grupo The Mama and the Papas foi o veículo para John Phillips pintar em cores vivas a era hippie, em canções como Monday monday ou Creek Alley. Phillips foi figura-chave entre os hippies da Califórnia e o principal produtor do festival Monterey Pop, realizado no ano seguinte, que revelou Jimi Hendrix, Janis Joplin e fez a fama do The Who. Vale ressaltar que o Sgt Pepper’s começou a ser gravado em 1966 e Jimi Hendrix começou a viajar além dos limites tradicionais da guitarra no mesmo ano.
Publicado em 24.09.2006 no Jornal do Commercio
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