quarta-feira, 3 de setembro de 2008

[Os Rubayat, últimos versos]

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De Omar Khayyam

Os 70 últimos versos.

51 A vida passa. O que resta de Bagdad e Balk? A aragem mais leve é fatal à rosa já desabrochada. Bebe o vinho, e contempla a lua: lembra-te das civilizações que ela já viu morrer.
52 Ouve o que a Sabedoria diz todos os dias: A vida é breve. Não te esqueças, não és como certas plantas que rebrotam depois de cortadas.
53 Mestres e sábios morreram sem se entenderem sobre o Ser e o Não Ser. Nós, ignorantes, vamos apanhar as tenras uvas; que os grandes homens se regalem com as passas.
54 O meu nascimento não aumentou o Universo, nem a minha morte lhe fanará o esplendor. Ninguém me dirá por que vim ao mundo, ou porque um dia irei embora.
55 Iremos nos perder na estrada do amor, e o destino nos pisará, indiferente. Vem, menina, taça encantada, dá-me de beberem teus lábios, antes que eu me torne pó.
56 Só de nome conhecemos a felicidade. O nosso melhor amigo é o vinho; afaga a única que te é fiel: a ânfora, cheia do sangue das vinhas.
57 Não te inquietes, a vida é como um suspiro. As cinzas de Djenchid e de Kai-Kobad volteiam na poeira vermelha que tolda o ar. O Universo é uma miragem, a vida é um sonho.
58 Senta-te e bebe, felicidade que Mahmud não teve. Escuta os sussuros dos amantes, são os Salmos de Davi. Não te importes com o passado, não sondes o futuro, não percas este instante: Eis a paz.
59 Pessoas presunçosas e obtusas inventaram diferenças entre o corpo e a alma. Sei apenas que o vinho apaga as angústias que nos atormentam, e nos devolve a calma.
60 Que enigma os astros que andam pelo espaço. Agarra-te à corda da sabedoria, Khayyam. Presta atenção à vertigem que faz cair perto de ti os teus companheiros.
61 Não temo a morte. Prefiro esse ato inelutável ao outro que me foi imposto no dia em que nasci. O que é a vida, afinal? Um bem que me confiaram sem me consultarem e que entregarei com indiferença.
62 Estou velho, e a paixão que me inspiraste vai me levar ao túmulo: não cesso de encher a taça. Esta paixão tem razão contra mim: o tempo estraga a minha bela rosa.
63 Podes me perseguir, miragem de outra ventura, podes modular a tua voz, mas só escuto aquela que já me encantou. Dizem-me: Deus te perdoará. Recuso o perdão que não pedi.
64 Um pouco de pão, um pouco de água, a sombra de uma árvore, e o teu olhar; nenhum sultão é mais feliz do que eu, e nenhum mendigo é mais triste.
65 Tantos carinhos, tantas delícias, tanta ternura no começo do nosso amor. Mas agora o teu prazer é dilacerar o meu coração. Por quê?
66 Vinho, bálsamo para o meu coração doente, vinho da cor das rosas, vinho perfumado para calar a minha dor. Vinho, e o teu alaúde de cordas de seda, minha amada.
67 Falam de um Criador... e Ele deu forma às criaturas para destruí-las? Por que são feias? Por que são belas? Quem é o responsável? Não compreendo nada.
68 Todos pretendem andar pelo Caminho do Saber. Uns o procuram, outros afirmam tê-lo encontrado. Um dia uma grande voz dirá: Não há caminho, nem atalho.
69 Brinda ao resplendor da aurora, e dedica o vinho vermelho desta taça, em forma de chama, ou de tulipa, ao sorriso meigo de algum adolescente. Bebe, e esquece que o punho da dor te prostrará.
70 Vinho! Que palpite em minhas veias, que inunde a minha cabeça. Silêncio! Tudo é mentira. Copos! Depressa! Envelheci muito.
71 Do meu túmulo virá um tal perfume de vinho que embriagará os que por lá passarem, e uma tal serenidade vai pairar ali, que os amantes não quererão se afastar.
72 No turbilhão da vida são felizes aqueles que presumindo saber tudo não se instruem. Fui buscar os segredos do Universo e voltei invejando os cegos que encontrei pelo caminho.
73 Alguns amigos me dizem: Não bebas mais Khayyam. Respondo: Quando bebo, ouço o que me dizemas rosas, as tulipas, os jasmins; ouço até o que não me diz a minha amada.
74 Em que pensas? Nos que já morreram? São pó no pó. Pensas nas virtudes que tiveram? Sim? Deixa-me sorrir. Toma este copo, vamos beber; ouve sem inquietação o vasto Silêncio do Universo.
75 Não faças planos para amanhã. Sabes se poderás terminar a frase que vais dizer? Talvez amanhã estejamos tão longe deste albergue, como os outros que já se foram há sete mil anos.
76 Conquistador de corações, belo moço de olhos brilhantes e altivo semblante, senta-te e apanha um copo. Eu te contemplo, e penso na ânfora que serás um dia.
77 Há muito tempo a minha mocidade se foi. Primavera da minha vida, passaste como passaram as outras primaveras: sem que eu percebesse. Partiste, como se vão os melhores dias.
78 Sente todos os perfumes, todas as cores, todas as músicas; ama todas as mulheres. Lembra-te que a vida é breve, e que breve voltarás ao pó.
79 Não terás paz na terra, e é tolice acreditar no repouso eterno. Depois da morte teu sono será breve: renascerás na erva que será pisada, ou na flor que murchará.
80 O que realmente possuo? O que restará de mim depois da morte? É tão breve a vida, uma fogueira: Chamas, e depois, cinzas.
81 Convicção e dúvida, erro e verdade: são palavras, como bolhas de ar; brilhantes, ou baças: vazias,como a existência dos homens.
82 Escuta, isto ninguém te contou: Quando a primeira alba clareou o mundo, Adão já era uma criatura dolorosa, que pedia a noite, ansiava a morte.
83 Não pedi para nascer. Recebo, sem espanto ou ira, o que a vida me entrega. Um dia hei de partir; não me importa saber qual o motivo da minha misteriosa passagem pelo mundo.
84 Colhe os frutos que a vida te oferece e escolhe as taças maiores; não creias que Deus vá fazer as contas dos teus vícios e das tuas virtudes.
85 Os meus cabelos estão brancos, tenho setenta anos de idade. Agarro agora a felicidade; amanhã, talvez não me restem forças.
86 Nunca procurei saber onde encontrar o manto da mentira e do ardil, mas sempre andei à procura dos melhores vinhos.
87 Alguns sábios da Grécia sabiam propor enigmas? É absoluta a minha indiferença por tanta inteligência. Dá-me vinho, minha amiga; deixa-me ouvir o alaúde, olha como lembra o vento que passa, como nós.
88 É o mês do Ramadã. Amanhã o sol vai iluminar uma cidade silenciosa; os vinhos dormirão em suas urnas e as mulheres à sombra dos bosques.
89 Somos os peões deste jogo do xadrez que Deus trama. Ele nos move, lança-nosuns contra os outros, nos desloca, e depois nos recolhe, um a um, à Caixa do Nada.
90 A abóbada celeste se parece a uma taça emborcada; sob ela, em vão, erram os sábios. Ama a tua amada como a ânfora ama o copo; olha, boca a boca, ela lhe dá o seu próprio sangue.
91 O amor que não consome, não é amor; a brasa tem o mesmo calor de uma fogueira? Aquele que ama, pelas noites e dias, vai se consumindo no prazer e na dor.
92 Não aprendeste nada com os sábios, mas o roçar dos lábios de uma mulher em teu peito pode te revelar a felicidade. Tens os dias contados. Toma vinho.
93 O vinho dá-te o calor que não tens; suaviza o jugo do passado e te aliviadas brumas do futuro; inunda-te de luze te liberta desta prisão.
94 Nunca rezei nas mesquitas, mas antes ainda sentia uma tênue esperança. Agora gosto de me sentar lá; aquela sombra é propícia ao sono.
95 Na terra cheia de cores alguém caminha: não é muçulmano, não é infiel, nem pobre, nem rico; não acredita na Verdade e não afirma nada. Quem é esse, intrépido e triste?
96 Um dia pedi a um velho sábio que me falasse sobre os que já se foram. Ele disse: Não voltarão. Eis o que sei.
97 Olha, a rosa estremece ao sopro do vento; um pássaro entoa um hino; uma nuvem paira. Bebe, e esquece que o vento vai ressecar a rosa, levar a nuvem refrescante e o canto do rouxinol. 98 Onde estão os nossos amigos? Já morreram? Ainda os ouço na taverna... já se foram? ou estarão embriagados de tanto terem vivido?
99 Quando eu não mais viver, não haverá mais rosas, nem lábios vermelhos, nem vinhos perfumados; não haverá auroras, nem amores, nem penas: o Universo terá acabado, pois ele é o meu pensamento.
100 Podes sondar a profunda noite que nos envolvee ir pelo mistério adentro. Em vão. Adão, Eva, como deve ter sido amargo aquele beijo que nos gerou tão desesperançados.
101 Cansado de perguntar aos sábios, perguntei à taça: Para onde irei depois da morte? Ela me respondeu baixinho: Bebe em minha boca, bebe longamente: não voltarás.
102 Eu estava numa olaria e mil ânforas murmuravam. Então uma delas disse: Silêncio, deixem que esse homem se lembre dos oleiros e dos compradores de ânforas que já fomos.
103 Nesta noite caem pétalas das estrelas, mas o meu jardim ainda não está coberto delas. Assim como o céu derrama flores sobre a terra, verto em minha taça o vinho da cor das rosas.
104 Queres saber como será o amanhã? Tolice. Confia, ou o fado justificará os teus receios. Não te apegues, não questiones livros nem pessoas, nosso destino é insondável.
105 A aurora encheu de rosas a taça do céu, e o último rouxinol canta o seu meigo canto; e ainda há quem pense em honras e glórias... Vem, menina... que sedosos são os teus cabelos...
106 Vai um cavaleiro pelas sombras do entardecer. Aonde irá, por serras e por vales? e onde estará deitado amanhã? Sobre a terra, ou debaixo dela?
107 O vinho é da cor das rosas; talvez não seja o sangue das uvas, mas das rosas; e o azul desta taça talvez seja o céu cristalizado; e não seria a noite a pálpebra do dia?
108 Mais outra aurora. Como em todas as manhãs, deparo a beleza do mundo, e não posso agradecer: há tantas rosas, tantos lábios. Vem minha amiga, pousa o teu alaúde, os pássaros estão cantando.
109 Homem ingênuo, pensas que és sábio e estás sufocado entre os dois infinitos do passado e do futuro. Não podes sair. Bebe, e esquece a tua impotência.
110 O que farei hoje? Ir à taverna? Ler um livro? Um pássaro passa. Aonde irá? Já não o vejo. Embriaguez de uma ave no céu azul e morno; melancolia de um homem que ainda se lembra.
111 Mais vinho, minha amiga, as tuas faces ainda não estão rosadas. Um pouco mais de tristeza, Khayyam, tua amada vai te olhar, vai sorrir.
112 Não tragam lâmpadas, os meus amigos adormeceram; estão imóveis, pálidos, como ficarão no túmulo. Não tragam as lâmpadas, os mortos não precisam delas.
113 Estudei muito e tive mestres eminentes e me orgulhava dos meus progressos e triunfos. Agora lembro-me do sábio que eu era: era como a água que toma a forma do vaso, como a fumaça ao vento.
114 Guardo as minhas tristezas como a ave se esconde para morrer. Dá-me vinho, minha amiga, e escuta os meus gracejos: Vinho, rosas, lábios, e a tua indiferença pela minha dor.
115 Despe-te dessas roupas que te envaidecem e que não trazias ao nascer; os teus conhecidos não te cumprimentarão mais, mas em teu peito cantarão os Serafins do céu.
116 Aconteceu o que eu já esperava: Ela me deixou. Quando eu a tinha era tão fácil a renúncia; junto dela, como estavas só, Khayyam; ela se foi para te refugiares nela.
117 Ah, Senhor, destruíste a minha alegria, ergueste uma muralha entre mim e a minha amada, pisaste a minha bela seara; vou morrer, e Tu, cambaleias, embriagado.
118 Silêncio, dor da minha alma, deixa-me procurar um remédio. É preciso viver; os mortos não se lembram e eu quero rever a minha amada.
119 É grande a tua dor? Não lhe dês atenção. Lembra-te dos outros que sofrem inutilmente. Procura uma linda mulher; mas cuidado, evita amá-la, e ela, que não te ame.
120 Rosas, taças, lábios vermelhos: brinquedos que o Tempo estraga; estudo, meditação, renúncia: cinzas que o Tempo espalha.

2 comentários:

MOABBA disse...

criei meu blog...disse blog...em breve terá coisas interessantes!!!!!!!
Abraço

Lutto T. Nebroso disse...

Vício moderno, dizem. Dizem também que blog é coisa de quem não tem vida social. Não sei não. Por falar nisso, foi ótimo ouvir o Led no dia do aniversário do seu pai. Fatumbi! Digo, epifania. A gente se encontra. Um abraço.