- -
Achei muito curiosa a história que o meu tio mais velho contou outro dia, na casa da minha mãe. Algo acontecido com o meu pai, na infância – época em que o juízo, como se dizia, ainda não está formado. Pois foi mesmo por falta de juízo que meu pai resolveu, simplesmente, voar. O plano? Subir numa árvore fina, mas alta, e pedir que os irmãos a balançassem até que ele pudesse tomar impulso. “Eu vou conseguir, não fiquem com medo”, garantiu. E lá se foi o pequeno João, num voo espetacular, de segundos, em direção... ao chão. Desmaiou, claro. E foi levado arrastado para a casa de uma tia bondosa, que - pensaram os irmãos - não haveria de lhe dar uma surra (antigamente os peraltas pagavam muito caro pelas suas ousadias). Mas mesmo desacordado, ele apanhou. E desse mesmo jeito foi deixado numa cama, agora em casa, praticamente desenganado. Mas de repente, de madrugada, ouve-se um barulho de panelas na cozinha. Era ele, o menino-voador, morto de fome, atacando beijus e o que tivesse pela frente. Da cama, a mãe disse alguma coisa como “esse se salvou” e todos foram dormir tranquilamente. Por que conto isso agora? Para que vocês saibam o que me trouxe até aqui. Nunca fomos os “Albuquerque de Medeiros”, compreendem? Nem nos tornamos engenheiros, médicos, advogados ou arquitetos, porque mal sabemos calcular coisas. Mas sempre tivemos um pouco de loucura circulando pelas veias (espero que meu filho saiba logo disso). Simples, e modestos, só nos contentamos em voar de vez em quando. Mesmo que as condições não nos sejam favoráveis. Nem que seja para levar uns tapas da realidade.
-